Friday, January 29, 2010

A violência de estar vivo

"Como se enganam aqueles que querem viver "de acordo com a natureza"! Nobres estóicos, que falsas palavras!Com efeito, imaginai um ser moldado pela Natureza, prodigioso à sua imagem, infinitamente indiferente, carente de intenções, e vislumbres de piedade e justiça, fecundo, estéril e incerto, ao mesmo tempo; porém imagina! também o que significa a própria indiferença convertida em poder: poderíeis viver de acordo com essa diferença? Viver é querer ser diferente da Natureza, formar juízos de valor, preferir, ser injusto, limitado, querer ser diferente! Admitindo que o lema "de acordo com a Natureza" signifique no fundo "de acordo com a vida" seria possível que actuásseis de outra forma? Por que então fazer um principio do que já sois, daquilo que podeis deixar de ser? Vede, pois, que em verdade, sucede exactamente o contrário: quando pretendeis desentranhar fervorosamente em a Natureza os preceitos de nossas leis, o que buscais, na realidade, é algo muito distinto do que gostaríeis de encontrar. Os actores de impostura, querendo enganar aos demais, promoveis a vingança de vós mesmos! Vosso orgulho sempre demolidor pretende impor à Natureza vossa moral e vosso ideal. Sim, porque desejais que tudo quanto existe se reduza à vossa própria imagem, fazendo uma prodigiosa e eterna apoteose e uma generalização do estoicismo. Porém, apesar de todo nosso amor pela verdade, vos empenhas em ver a Natureza como ela não é, em vê-la estóica, e finalmente, não podeis vê-la de outro modo. Não sei que orgulho limitado me inspira esta Insensata esperança, posto que, ainda que estando conscientes de que sois vosso próprio tirano, insistis em vosso erro, acreditando, que a Natureza se prestará à tirania, como se o estoicismo não fosse também parte da natureza. Tudo isso, entretanto, é uma velha e eterna história, a filosofia, no fundo da Natureza, e seu contexto visível, é apenas esse instinto tirânico: a vontade de potência em seu aspecto mais intelectual, a vontade de "criar o mundo" e implantar nele a causa primeira."

Para Além do Bem e do Mal, Nietzsche

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