Monday, January 25, 2010

Conspiração e pensamento judaico-cristão

Em primeiro lugar devo apresentar a forma como estabeleço os dois tipos de teologia possíveis. A teologia que vem "de cima" e a teologia que vem "de baixo". Não me irei debruçar sobre a lógica dialéctica que permitiria um fluxo constante entre as duas. Não rejeito a ideia do Deus dual de Heráclito. E uma vez que na sua concepção não estava o carácter criador e omnipotente de Deus, não irei entrar em contradição com ele pois irei analisar justamente as concepções que põem o conceito de Deus na transcendência, no exterior da realidade em vez de parte dela.

Podemos-lhe chamar o mesmo Deus, a mesma ideia e conceito mas para quê chamar o mesmo à força criadora e à força coerciva. Só sob o ponto de vista em que o princípio determina a lei da existência e como tal a natureza não-livre. Mas o que me parece mais prático é considerar que tais ideias, a

a)criação/base da existência e o

b)obectivo da criação/sentido da existência

sejam analisados separadamente como conceitos diferentes.

Talvez seja mais preciso dizer que o que difere não são as características de Deus-em-si que separam estes dois conceitos mas antes as duas atitudes que se pode ter perante o mesmo conceito unificado. Por um lado podemos-nos focar na veneração do Deus que assumimos mas, se quisermos, podemos avançar para a dedução que se existe uma força que sustenta o mundo, eu devo descobrir as regras em que ele se sustenta e impor essas regras de conduta que visam respeitar a sua existência. Por fim, posso chegar ao ponto de para além de o venerar, de lhe obedecer e aceitar limitações nos meus actos, deduzir que se ele tem regras que por vezes não são cumpridas, então devo lançar um plano de renovação do mundo que visa chegar ao ponto que ele não seja mais contestado.

É aqui que começa a politização desse Deus. Ao invés de Deus ser procurado para inspiração divina e os sacerdotes tenham como função dar concelhos que sejam pedidos, o desespero e a sede por respostas alimenta de tal maneira o poder dos sacerdotes que agora já não são pedidos concelhos a eles. São eles próprios que enfiam os concelhos à força na cabeça das pessoas. É provavelmente sinal de que os concelhos começavam a falhar e a ser questionáveis.

Onde acho que está o erro?

Ora assumiu-se, no caso do judaísmo que Deus criou o mundo mas que ao mesmo tempo interferiu na sua criação. Que lançou as bases e leis da Natureza mas que logo depois voltou para interferir nas próprias leis que activou. Não será que esse Deus que voltou na verdade, seja outro Deus, outro conceito, outra ideia. Ele disse como tudo funcionava, iniciou a causa efeito e o outro veio dizer que era preciso agir a fazer o que ele mandava. Mas ele já tinha ditado as regras, venham-se elas a saber ou não.

A forma como estas duas componentes do mesmo Deus se podem encaixar e funcionar politicamente é a seguinte.

Temos a visão "de cima":
Desta forma posso utilizar a ideia de Deus para a seguinte visão: "Se Deus existe não sei mas o poder de motivação que advém dessa ideia é tentador" daqui vem a motivação para mandar, alterar condições...

E a de "baixo":
"Se Deus existe, não sei, mas a justificação da existência que advém daí é bastante consolador e reconfortante." daqui vem a motivação para o conformismo, para a predisposição à obediência àqueles que utilizam a visão de "cima"

O facto é que nem todas as culturas se focam na mesma intensidade nas duas componentes e é nestes termos que eu dou destaque aos povos judaico-cristãos que são um caso extremo de aplicação da teologia para o estabelecimento de um plano divino/projecto social.

Primeiro usam-se do Pentateuco para explicar o êxodo e justificar a conquista de Canaã em termos divinos e outros povos mais tarde farão o mesmo para as Cruzadas, nesta altura já com os recursos adicionais do novo testamento.

A verdade é que se encontra em todo o lado, na bíblia, passagens que dão a possibilidade de se fazer um coisa ou o oposto disso. Vai sendo escolhida ao longo dos tempos a interpretação a fazer, as partes que interessam e as partes que não interessam com vista a servir as suas intenções ou apenas a estupidez e vontade de ilusão colectiva.

A coerção nasce da aceitação que se faz da ordem e não da ordem em si. A teoria da conspiração eleva a inteligência do opressor a um tal ponto que imagina que os vícios do sistema político são ditados "de cima" como um Deus-aranha.

Mas o que é preciso acima de tudo é adeptos, aceitação. Não é o simples acto de mentir que controla as massas. É preciso muita gente, demasiada gente com fome ou desesperada a trabalhar para a mentira e nem Hitler nem Stalin trabalhavam sozinhos na fábrica das convicções. Eles não estavam fora do "mundo dos fantoches". A cadeia da obediência não nasce tanto da mentira mas mais de um não interesse pela verdade.

O Deus ex-machina só existe na nossa cabeça e o mesmo se deve dizer dos demónios seus derivados. Até à queda do muro de Berlim era inacreditável a quantidade de comunistas que acreditavam no "master of puppets" capitalista, não a ideia, não apenas no conceito de sistema mas sim, na verdadeira união de uns poucos controladores que ditavam os valores ocidentais. Para se pensar assim basta ir buscar uma informação aqui e ali, colar o que chamava mais à atenção (talvez nem sempre intencionalmente) e da relação entre os eventos escolhidos, retirar daí a constatação de uma força maligna ex-machina tal como na Bíblia, a la Saramago, podemos encontrar passagens a damos mais destaque que a outras e deduzir, se quisermos, que é dos escritos que nasce a força do deus mau que se propaga pelos séculos seguintes. Pouco importa que a própria inquisição tenha começado sem a aprovação do vaticano, que as torturas fossem praticadas por iniciativa dos próprios vizinhos e não pelos superiores da igreja e que a ideia de tais procedimentos seja uma contradição com "não julgueis para não serdes julgados". E até que "eu vim trazer a espada e não a paz" tanto pode ser uma ordem como um aviso. Ignorando certas partes, deduz-se que todo o mal deriva da mensagem primordial, da "letra", pois as traduções, as interpretações, as selecções, os cortes, esses com certeza já trazem consigo a "maldição", o "vírus contagioso" dos escritos originais.

Ainda hoje subsistem estas formas de pensar. Certo pessoal que vai gritar à porta do G27 está mesmo convencido da inteligência dos líderes, do poder prático e efectivo e sobretudo da união entre eles para determinar reacções em cadeia com vista ao controlo. Acham que é só à "plebe" que se mente. Que os poderosos não mentem entre eles. São máquinas perfeitamente polidas e a diplomacia é uma máscara que apenas engana os súbditos. Que máquina perfeita esta. Que espontânea organização tem a vontade de poder. Os jornalistas, esses "vendidos", se no New York Times estiveram os 8 anos contra a admnistração Bush, isso significa, claro, que deve existir uma triagem da informação com vista a manter o desagrado contra Bush mas a não afectar as suas decisões.

Existem de facto, culturas - e a anglo-saxónica é mais flagrante - onde se vê o mundo desta forma. A Rainha de Inglaterra não pôde receber o Sá-Carneiro com a sua ex-que-não-se-queria-divorciar. Era a mensagem, a importância de mensagem que estava em jogo. O perigoso "vírus" que se propaga magicamente pelo povo se ele não tiver o exemplo dos "de cima". Mas dentro desta cultura de controlo da moral, temos os efeitos colaterais, aqueles cidadãos intelectualizados que afectados por esta ideia de "ex machina" vêm o mundo da mesma forma, mas desta vez, sentem-se as vítimas dele. Estão no mesmo esquema, têm o bicho mágico-cristão a corroer-lhes a psique mas vêm-se do outro lado do esquema. A serem controlados pelos fios que os poderosos puxam. É tudo tão simples, é só virarmo-nos contra os que têm o poder, cortar os fios e tudo correrá melhor pois a verdade e a transparência do sistema é manipulada por eles. Para se deslindar conspirações na cabeça ou planos que visem manipulação de massas é preciso inteligência. O mesmo tipo de inteligência que se usa para resolver charadas. Mas o mundo não é uma charada.

Para se ver, por exemplo, a versatilidade dos argumentos que se apoiam na Bíblia para uso político, comparemos a América do Norte com a América do Sul.

Exemplo de Hugo Chavez:

http://www.reuters.com/article/worldNews/idUSN1819661120070519


É espectacular ver como de um lado,a religião cristã é usada para justificar o conservadorismo e noutro lado é usada para inspirar o progressismo. Do lado dos progressistas varia bastante os que admitem e os que não admitem a sua herança. A verdade é que o novo-testamento e as seitas proto-cristãs podem ser tudo, tudo, tudo, menos conservadores. É uma autêntica revolução adolescente alucinada de uma busca de justiça extrema e também irreal que se tratou de tentar direccionar a partir de São Paulo.

Mas quanto ao uso dos argumentos religiosos, defender os pobres tanto pode querer dizer que devemos protegê-los (estado social) como também pode ser usado para os manter pobres (não é preciso estado social, dos pobres trata a igreja).

Que o dinheiro move montanhas é certo. Daí a concluir que a pequena-burguesia, dominante em volume nos países ocidentais, mudaria os seus valores conforme se lhes despertasse para a realidade do sistema é uma conclusão no mínimo, generosa. Mas é nisso que acredita um herdeiro da moral cristã. A única "evolução" que foi feita no ocidente pelos novos moralistas é que agora já não precisamos de nos sentir culpados por querermos coisas. Agora basta atribuir a culpa àqueles que têm poder para as ter, mantendo-nos longe deles para não sermos contagiados com a sua "culpa"...

"O que é a moral judaica? O que é a moral cristã? É o acaso despojado da sua inocência; o infortúnio conspurcado com a noção de pecado; o bem-estar transformado em perigo, em tentação; a indisposição fisiológica envenenada com o verme da consciência."

"...é a invenção de uma forma de existência ainda mais irreal do que a determinada pela organização de uma Igreja. O cristianismo nega a Igreja."

Anticristo, Nietzsche

Nietzsche também diz que o Cristianismo é o passo lógico a seguir ao Judaísmo no caminho rumo à desvitalização, à anti-naturalidade e à cultura do pecado e redenção.
É levar a sublimação dos valores até ás últimas consequências.

A solução final de tal sublimação seria uma espécie de anarco-cristianismo com cristo esquecido. O desaparecimento total de todas as representações materiais da religião e a vitória total da conduta moral incorporada (talvez resultasse em algo de bom mas só se o mundo fosse habitado maioritariamente por clones do Tolstoi).

Reconhece-se este espírito agora com os movimentos anti-globalização, meros efeitos colaterais do capitalismo. O que interessa a estes neo-cristãos encapuçados é saber de quem é a "culpa", essa necessidade abraâmica. E a culpa está naquele concílio de Deuses pagãos infiés ao Deus-bem-liberdade. Quanto mais se abafa Deus (ou seja, a necessidade dele), mais ele se torna estúpido e descontextualizado. Deus anda agora perdido nas ruas a tentar perceber por que nome lhe chamam agora...ele suspeita que é dinheiro o seu novo nome, mas tem vergonha de admitir...é que se calhar sempre foi...


Mas também eu estarei a ser de certa forma ingénuo. Essa visão mecanicista com princípio activo não terá sido "inventada" com a descrição da Criação Bíblica. Tal como não acredito que esse Deus tenha criado o mundo, também não acredito que a visão dessa criação seja ela mesma, uma criação "pura" - não há criações "puras" - mas antes o resultado da ilusão activada pelo despertar de consciência humano. Antes uma adaptação da condição humana necessitada/viciada em explicar a realidade que não existe para ser explicada mas, quanto muito e talvez, compreendida, o que é completamente diferente.

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