Saturday, April 3, 2010

Mais um mito...

...Nietzsche não rejeita o iluminismo. Apenas lhe retira o carácter transcendente. A razão é humana e não universal. Ela não se refere ao mundo exterior mas ao mundo criado pela linguagem humana:

"A importância da linguagem para o desenvolvimento da cultura está em que nela o homem estabeleceu um mundo próprio ao lado do outro, um lugar que se considerou firme o bastante para, a partir dele, tirar dos eixos o mundo restante e se tornar seu senhor. Na medida em que por muito tempo acreditou nos conceitos e nomes das coisas como em aeternae veritates [verdades eternas], o homem adquiriu esse orgulho como que se erguendo acima do animal: pensou ter realmente na linguagem o conhecimento do mundo. O criador da linguagem não foi modesto a ponto de crer que dava às coisas apenas denominações, ele imaginou, isto sim, exprimir com as palavras o supremo saber sobre as coisas; de fato, a linguagem é a primeira etapa no esforço da ciência. Da crença na verdade encontrada , fluíram, aqui também, as mais poderosas fontes de energia. Muito depois – somente agora – os homens começam a ver que, em sua crença na linguagem, propagaram um erro monstruoso. Felizmente é tarde demais para que isso faça recuar o desenvolvimento da razão, que repousa nessa crença."

Humano, demasiado Humano

E ele não era um romântico subjectivista em relação à arte:

"[...] a improvisação artística encontra-se muito abaixo do pensamento artístico seleccionado com seriedade e empenho. Todos os grandes [artistas] foram grandes trabalhadores, incansáveis não apenas no inventar, mas também no rejeitar, eleger, remodelar e ordenar."

Humano, demasiado Humano

Nietzsche chega ao ponto de enfatizar a importância da razão na arte, de forma a que chegue aos interlocutores. Tudo ao contrário do que os atrasados mentais dos supostos seus seguidores pós-modernistas interpretam dele.

E por último:

Existe uma ideia falsa de que Nietzsche considera que o ser superior deve seguir os seus instintos sem complacência. Não passou pela cabeça de ninguém que o problema que ele coloca não é o da obediência aos desejos mas simplesmente, de se permitir que eles existam.

À pergunta "o que confere nobreza?", uma das respostas de Nietzsche é: "[...] não será obedecer às paixões: há paixões desprezíveis." Logo em seguida, diz ele que "[...] a paixão que se apodera do ser nobre é coisa que ele não se dá conta [...]."

Humano, demasiado Humano

Para que se entenda melhor, um excerto do mestre em teoria literária Vítor Henriques:

"Há, portanto, uma razão que ao mesmo tempo molda e entende a vida e desaparece perante o assalto das paixões sem se dar conta disso; é nesse sentido que entendemos a razão em Nietzsche como uma razão trágica, já que se impõe e se esvai, como se ela afirmasse e fosse negada ao mesmo tempo. Trágica, porque essa dubiedade é tão fatal como a dor é para a vida. A obstrução da dor é a obstrução da própria alegria, já que para Nietzsche quanto mais feliz é um homem, mas infeliz ele pode ser, pois mais susceptível às afectações do mundo. Para o filósofo, quanto maior o desprazer, maior foi o prazer. Assim sendo, da mesma maneira que alegria e dor são um e o mesmo, razão e desrazão se entrelaçam num mundo tragicamente concebido."

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