Tuesday, February 13, 2007

Vitória Amarga

Foi com desapontamento que vi o senhor primeiro-ministro dizer "os portugueses expressaram a sua opinião, agora devo cumprir com a minha palavra".Não que não tenha ficado satisfeito com o resultado, pois a opção que defendia foi a mais votada.
Mas daí a admitir que se diga que o aborto deixa de ser crime até às 10 semanas "por que os portugueses expressaram a sua opinião" não me cabe na cabeça nem no dia mais hipócrita da minha vida.Se o referendo não é vinculativo, acabou-se.Não se fala dele como se fosse.É gozar com a cara de quem se absteve com objectivo de reprovar a pergunta.
Sócrates foi desonesto(não o digo de animo leve, pois tenho-lhe em grande consideração) e demagogo(coisa que, apesar de tudo, já é mais comum no seu discurso) ao não explicar as coisas de outra forma, mais correcta, e limitar-se a avançar com a sua decisão usando um argumento que demonstrou que, para ele, neste caso, os fins justificaram os meios.E o referendo foi uma aposta estratégica e ao mesmo tempo, mais um isco para desviar a atenção da pesca lusa e ficar o país a divagar sobre assuntos sem se saber exactamente qual o seu voto na matéria e criando uma espécie de batalha metafísica entre fetos e mulheres pelos seus direitos...quando no fim, tanto fez...
Não me contento com esta vitória e muito menos não irei cometer a obscena asneira de festejar com champanhe, como aconteceu nas sedes das campanhas, que num assunto desta natureza é no mínimo, falta de gosto...

5 comments:

Anonymous said...

É verdade que as declarações do primeiro-ministro revelaram alguma estupidez...mas penso que a grande questão tem que ver com o significado da abstenção. Deverá ser encarada como uma discordância com a pergunta do referendo ou como puro desinteresse dos individuos pela sociedade? É verdade que constitucionalmente está definido que um referendo só é vinculativo no caso de uma abstenção inferior a 50% mas não sei se a abstenção´pode ser encarada como prova do que quer que seja. Acho que se as pessoas queriam realmente demonstrar um descontentamento com a questão proposta deveriam ter votado nulo porque é a forma de mostrar que realmente está interessado na questão mas não concorda com os termos da votação. Sei que o meu discurso pode soar um pouco anti-democrático, mas a verdade é que eu penso que a maioria das pessoas que se abstêm o fazem por preguiça ou por desinteresse e muito poucas por protesto contra o sistema, e sinceramente acho que alguém que não se interessa não deve empatar ou mesmo influenciar as decisões que precisam de ser tomadas. Acho que se devia apelar ao voto nulo daqules que têm algo a protestar e desta forma começar a ter uma real consideração por aqueles que não concordam com o nosso sistema (não tenhamos ilusões, actualmente a abstenção não influi nada nas decisões políticas).

garibaldov said...

Está na constituição para qualquer eleição é preciso uma determinada percentagem mínima de eleitores e isso aplicou-se sempre.
Devo recordar que há 8 anos atrás o referendo foi chumbado por não ser vinculativo.
No caso presente a abstenção foi 56.E se fosse 60?ou 70?ou 80?Não se ligava?E se se ligasse , quando é que se decidia que já contava?Visto que já não era de acordo com a constituição?
Já é pedir pouco que apenas metade dos eleitores expressem a sua opinião.Mas menos de metade, já é ridiculo.Se houve preguiça ou desinteresse foi porque muita gente não acreditava que um assunto desta natureza devesse ser referendado.
Mas discutir o que é que as pessoas que se abstiveram, queriam mesmo ou que é que deviam ter feito, é subjectivo.A crítica que faço é objectiva e têm a ver com honestidade política.Que é feito da ideia do post "a vítima habituada"?
Que elaborem a nova lei como acharem conveniente, mas nunca irei aceitar o argumento do referendo, pois este foi uma fantochada que o sócrates criou para não ter que aturar a igreja e marcar posição no parlamento.

Anonymous said...

Acho que não percebeste muito bem. O que eu advogo não é que o Sócrates teve uma atitude correcta perante os resultados do referendo mas sim uma alteração no sistema de votação em que se diferencie o idividuo que realmente se interessa pela sociedade mas está indeciso ou insatisfeito perante as opções dadas na votação (ou mesmo perante o sistema), do individuo que não vota porque se está borrifando para as eleições e para qualquer outro assunto relativo à sociedade... obviamente que dentro do sistema que temos não fazem sentido as declarações do primeiro ministro. Quanto À referência ao referendo de 98, devo dizer que existe uma explicação, que na minha opinião se sobrepõe à questão da abstenção: O António Guterres é um conhecido membro da Opus Dei e portanto muito mais sensível a pressões do foro religioso...

garibaldov said...

Devo corrigir a seguinte gralha no meu comentário:
-onde está escrito "eleição" no primeiro parágrafo deveria estar escrito "referendo".
O assunto que ponho à baila é apenas o do discurso político e forma como devemos aceitá-lo ou refutá-lo.
De qualquer maneira, em relação à diferenciação que queres fazer, estou de acordo,mas acho que hà mudanças mais importantes a fazer, pois essa que dizes pode acabar por nem ser efectiva, uma vez que até quem vota pode-se estar borrifando para o assunto votado e simplesmente mora ao lado das urnas, ou então pode nem ter grande noção do que está a fazer.Outras pessoas podem não ter votado, não porque não queriam, mas porque precisavam de se deslocar 300 kilómetros para o fazer.
As mudanças que propões correriam o risco de ser apenas superficiais e aparentes...
O que tem de mudar não é o número de opções de manifestação de opinião.O que tem de mudar é,por exemplo, o mecanismo e processo de voto e a aplicação que cada votante faz do seu voto, de modo a ele actuar de facto na vida política e não ser apenas um membro da massa "opinadora".

Anonymous said...

Uma gaiola.
Não encontro melhor comparação para exprimir a minha visão desta nossa realidade.Já sabemos que é redonda.E nessa medida finita e fechada.Onde tudo acontece limitadamente.
Bem vistas as coisas os humanos e mortais, mais não são como uma tela em branco à nascença.Carregados com um potencial genético e uma predisposição galopante(nem todos, porém). A nossa tarefa:viver.Absorver conceitos, valores, princípios e perspectivas do que os anterioes já haviam pensado, visto e experimentado. Pois é precisamente ai que nós encontramos a organização política, social e cientifica das sociedades.Cada uma a oferecer a sua História, o seu passado. A actual tendência para a globalização pretende unificar, mas afinal será isso possivel?O já é uma realidade por admitir?Afinal de contas o planeta Terra é a nossa gaiola global.
Quando nos deparamos com os vários confrontos que o sistema político nos sugere, como a capciosa pergunta que nos fizeram há cerca de duas semanas atrás, ainda mais facilmente me apercebo da gaiola onde nos meteram. Na verdade o que de facto se passou com esta ou outras perguntas que se seguirão não passa de uma manobra do pretenso interesse que nos acenaram, dentro de um circulo de distrações conceituais, cujo objectivo foi o de pura distração política. O ponto de chegada e de partida já se encontravam delimitados.Obrigaram-nos a passar pelo processo de análise de uma matéria que já tinha o seu tratamento político encaminhado pelos próprios signatários. Chamo a isto: preversão. Quando um instrumento jurídico-político regulado dentro de regras constitucionais vigentes num estado representativo e democrático, é utilizado para obter do povo uma resposta a uma pergunta cujas alternativas de resposta - confusas e enganadoras - já haviam sido tomadas...isto é pura instrumentalização! O pobre povinho, na sua gaiola metido, viu-se grego para entender as várias realidades distintas que lhe apresentaram, quanto mais a de escolher a combinação de uma solução entre elas! Votar na morte contra a vida - pensaram uns. Votar na condenação numa pena de prisão as mulheres que deciam abortar - pensaram outros.Votar na alteração de uma lei que permita usar os hospitais públicos para fazer abortos dentro da lei - pensaram outros. A realodade é bem mais complexa que todas estas perguntas.Exigia-se , no fundo, baralhar para poder decidir sem complexos.Foi exactamente isto que se passou.
Nem o sistema - gailola nacional - vingou, pois foi usado preversamente para fins "conta legen", nem o povinho entendeu para que serviu tanta reflexão e alarido - sem falar nos nove milhoes de euros do erário público esgotados...
O nosso Primeiro fez o que queria, adoptou uma sondagem referendal para se legitimar e nós, pobres e indefesos eleitoes, apenas fomos usados para que o seu projecto vingasse. Assim não!
Já não basta cada um de nós viver dentro da sua gaiola com os seus prolemas subjectivos e objectivos que buscam soluçãoes dentro e fora de si, para nos entretermos, quanto mais ainda, sentirmos clara e directamente que somos alvo de uma cabeça de mestre que nos lança um engodo, e o peixe corre atrás.
Pois é, quando se fala de liberdade por todo o lado, qual ex libris do Homem, será que ela tem os contornos do conceito que imaginamos ou é preenchida dentro das gailolas em que vivemos?
Ousemos refletir sobre a melhor forma de conhecermos os nossos limites, para melhor respeitar os limites dos que nos rodeiam.
Confinamos o que queremos dentro daquilo que podemos. Dentro e fora da nossa gaiola.